O senador Delcídio do Amaral (PT) e o secretário nacional de Saneamento Básico do Ministério das Cidades, Leodegar Tiscoski, são citados em áudios contidos no inquérito da Polícia Federal que investiga um suposto esquema de desvios de recursos em obras públicas da cidade de Dourados, a 198 km de Campo Grande. A reportagem do Terra teve acesso com exclusividade a dois áudios, com cerca de duas horas de gravação, que apontam que ambos cobrariam propina para intermediar repasses de verba ao Estado.
As informações foram descobertas durante as investigações da PF que culminaram na Operação Uragano, realizada em setembro de 2010. Na ocasião, 28 pessoas foram presas, entre autoridades políticas, agentes públicos e empresários do Mato Grosso do Sul.
Na gravação, o ex-diretor de Obras de Dourados Jorge Hamilton Torraca fala ao ex-secretário de governo Eleandro Passaia como funcionaria a divisão dos recursos entre o então prefeito Ari Artuzi, o senador Delcídio e o secretário Tiscoski para liberação de recursos em Brasília. As gravações foram realizadas nos dias 5 e 16 de junho de 2010.
Conversa
Num trecho dos áudios, Passaia afirma que o empreiteiro Geraldinho, da empresa Planacon - que ganhou licitação para realizar obras de saneamento -, repassava 5% do valor das obras para Delcídio e 10% para o deputado federal Geraldo Resende (PMDB) e questiona a diferença dos percentuais.
"Assim, tem algumas coisas que eu preciso entender. O Geraldinho, por exemplo, me falou que ele passa 5% pro Delcídio, mas já para o Geraldo Rezende ele passa 10%. Mas por que o Delcídio só quer cinco? Ele é bonzinho demais?", questiona Passaia.
Torraca afirma que, dependendo da obra, o percentual é diferenciado. O "retorno" de emendas ou recursos federais intermediados pelo senador varia, segundo o diálogo, de 2,5% para casas populares, devido ao baixo custo da obras, a até 10% em obras de pavimentação ou saneamento básico, quando o lucro pode ser maior.
"O Delcídio pega menos, porque depende do tipo de obra, por exemplo, casa, para você ter uma ideia, aquelas casas que a (construtora) Engepar está fazendo para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) lá dá 2% só, porque não compensa. O custo não dá. Eles não pagam mais que 2%, estou numa briga para dar 4%, 5%. Já a emenda de asfalto e drenagem, essa dá para dar até 10% sem problema nenhum", afirma Torraca.
O diálogo revela que apesar dos recursos, no montante de R$ 35 milhões para obras de saneamento, serem de financiamentos do município de Dourados, Delcídio receberia "comissão" por intermediar a liberação da verba junto ao Ministério das Cidades por meio do secretário nacional de Saneamento Ambiental, Leodegar Tiscoski, que teria cobrado R$ 200 mil para a liberação.
Os projetos das obras são anteriores ao mandato de Ari Artuzi e eram orçados em R$ 25 milhões. Inicialmente, foram intermediadas em Brasília pelo até então deputado federal João Grandão (PT). Já na gestão de Artuzi, Grandão não tinha mais mandato e nem influência no ministério, então Delcídio teria entrado no esquema para finalizar a liberação dos recursos.
Passaia pergunta sobre o andamento das obras para tentar pedir um adiamento dos "retornos", que, segundo as investigações, são as propinas pagas pelas empresas que ganharam as licitações em Dourados. "Processo dessa medição é assim: dia 25 (de junho de 2010) nós vamos medir, dia 25 desse mês. Que vai dar uma medição máxima de uns R$ 80 mil a R$ 100 mil, que representa R$ 10 mil contos aí teoricamente. E para pagar dia 15, dia 20 do mês que vem só. Aí, a medição de julho, essa vai ser grande. Aí já começa, aí vai ser coisa de uns R$ 400 (mil), R$ 500 mil. Aí vai entrar R$ 50 (mil), R$ 70 mil, coisa assim. Aí depois vai aumentando cada vez mais, aí na hora que entrar todas as empresas, o negócio fica grande. Dá para medir R$ 5 milhões em um mês", diz Torraca.
O ex-secretário de obras de Dourados orienta Passaia a pedir um adiantamento para a construtora Anfer, que é do mesmo dono da Construtoral Financial, do empresário Antônio Fernando de Araújo Garcia, preso durante a operação Uragano. Segundo Torraca, a Anfer ganhou a licitação de 60% das obras de saneamento da prefeitura de Dourados. O contrato somente com essa empresa chegaria a cerca de R$ 18 milhões e iniciaria na ocasião as obras nos bairros Canaã III e Caimã.
Outras três empresas ganharam contratos para as obras de saneamento do município: Policon, LC Braga e a Planacon. O contrato com essas empresas foi divulgado no Diário Oficial de Dourados no dia 20 de abril de 2010. De acordo com o Ministério das Cidades, já foram liberados R$ 8.515.498,79 para execução de 25,4% das obras de saneamento deste município por meio do financiamento da Caixa Econômica Federal. Elas tiveram início em junho de 2010 e a última medição da Caixa ocorreu no dia 17 de março deste ano.
Medo
Em outro trecho da conversa, Torraca alerta Passaia que Antonio Fernando de Araujo Garcia seria ruim de negócios, mas recomenda que ele vá a Campo Grande e converse pessoalmente com o empresário.
"Esse é o cara (Antônio Fernando) que pode conseguir, só que tem que ter uma conversa boa antes, entendeu? Eles são muito visados, tem que tomar muito cuidado. Na última campanha o pessoal da Polícia Federal apreendeu com a Financial um avião cheio de dinheiro, aí ninguém explicou, até hoje eles estão em regime de... Eles sabe que eles financiam as campanhas dos políticos. Então o Fernando morre de medo desse negócio, ele toma um cuidado, ele não quer nem saber, ele não gosta do Ari (Artuzi) também, você sabe disso. O Ari é muito louco. Ele tem medo do Ari queimar a empresa dele."
De acordo com diálogo, Torraca fala que se Passaia fizesse uma proposta de acordo com a Financial para adiantar R$ 700 mil dos R$ 900 mil da porcentagem do prefeito, eles poderiam fechar acordo porque também seria vantajoso para a construtora, por conta do desconto no valor final da propina.
A reportagem do Terra conversou com senador Delcídio do Amaral, que embora tenha divulgado a obra de saneamento de R$ 35 milhões em Dourados como um dos seus maiores feitos no Estado, negou as suspeitas de irregularidades e afirmou que não conhece nenhuma investigação da Operação Uragano que cite seu nome. "Eu desconheço esse processo. Se você tiver, me passa", respondeu o senador.
O ex-secretário de Obras de Dourados Jorge Hamilton Torrada afirmou não ter conhecimento das gravações. "Não estou sabendo, nunca ouvi isso", afirmou Torraca.
Por meio da assessoria de imprensa do Ministério das Cidades, o secretário nacional de Saneamento, Leodegar Tiscoski, afirmou que sua pasta não efetua nenhuma liberação de recursos para os municípios, que essa função é exclusiva da Caixa Econômica Federal. Ele afirmou que o encontro que teve com Artuzi e Torraca era de praxe, como acontece com todos os representantes de outros municípios.
O deputado federal Geraldo Resende (PMDB), citado no áudio, negou qualquer envolvimento em recebimentos de propinas de obras executadas no município de Dourados.
Os representantes das empresas Anfer, LC Braga e a Planacon não retornaram as ligações. O representante da Policon afirmou que não teria nada para comentar sobre o caso.
Fonte: Terra
As informações foram descobertas durante as investigações da PF que culminaram na Operação Uragano, realizada em setembro de 2010. Na ocasião, 28 pessoas foram presas, entre autoridades políticas, agentes públicos e empresários do Mato Grosso do Sul.
Na gravação, o ex-diretor de Obras de Dourados Jorge Hamilton Torraca fala ao ex-secretário de governo Eleandro Passaia como funcionaria a divisão dos recursos entre o então prefeito Ari Artuzi, o senador Delcídio e o secretário Tiscoski para liberação de recursos em Brasília. As gravações foram realizadas nos dias 5 e 16 de junho de 2010.
Conversa
Num trecho dos áudios, Passaia afirma que o empreiteiro Geraldinho, da empresa Planacon - que ganhou licitação para realizar obras de saneamento -, repassava 5% do valor das obras para Delcídio e 10% para o deputado federal Geraldo Resende (PMDB) e questiona a diferença dos percentuais.
"Assim, tem algumas coisas que eu preciso entender. O Geraldinho, por exemplo, me falou que ele passa 5% pro Delcídio, mas já para o Geraldo Rezende ele passa 10%. Mas por que o Delcídio só quer cinco? Ele é bonzinho demais?", questiona Passaia.
Torraca afirma que, dependendo da obra, o percentual é diferenciado. O "retorno" de emendas ou recursos federais intermediados pelo senador varia, segundo o diálogo, de 2,5% para casas populares, devido ao baixo custo da obras, a até 10% em obras de pavimentação ou saneamento básico, quando o lucro pode ser maior.
"O Delcídio pega menos, porque depende do tipo de obra, por exemplo, casa, para você ter uma ideia, aquelas casas que a (construtora) Engepar está fazendo para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) lá dá 2% só, porque não compensa. O custo não dá. Eles não pagam mais que 2%, estou numa briga para dar 4%, 5%. Já a emenda de asfalto e drenagem, essa dá para dar até 10% sem problema nenhum", afirma Torraca.
O diálogo revela que apesar dos recursos, no montante de R$ 35 milhões para obras de saneamento, serem de financiamentos do município de Dourados, Delcídio receberia "comissão" por intermediar a liberação da verba junto ao Ministério das Cidades por meio do secretário nacional de Saneamento Ambiental, Leodegar Tiscoski, que teria cobrado R$ 200 mil para a liberação.
Os projetos das obras são anteriores ao mandato de Ari Artuzi e eram orçados em R$ 25 milhões. Inicialmente, foram intermediadas em Brasília pelo até então deputado federal João Grandão (PT). Já na gestão de Artuzi, Grandão não tinha mais mandato e nem influência no ministério, então Delcídio teria entrado no esquema para finalizar a liberação dos recursos.
Passaia pergunta sobre o andamento das obras para tentar pedir um adiamento dos "retornos", que, segundo as investigações, são as propinas pagas pelas empresas que ganharam as licitações em Dourados. "Processo dessa medição é assim: dia 25 (de junho de 2010) nós vamos medir, dia 25 desse mês. Que vai dar uma medição máxima de uns R$ 80 mil a R$ 100 mil, que representa R$ 10 mil contos aí teoricamente. E para pagar dia 15, dia 20 do mês que vem só. Aí, a medição de julho, essa vai ser grande. Aí já começa, aí vai ser coisa de uns R$ 400 (mil), R$ 500 mil. Aí vai entrar R$ 50 (mil), R$ 70 mil, coisa assim. Aí depois vai aumentando cada vez mais, aí na hora que entrar todas as empresas, o negócio fica grande. Dá para medir R$ 5 milhões em um mês", diz Torraca.
O ex-secretário de obras de Dourados orienta Passaia a pedir um adiantamento para a construtora Anfer, que é do mesmo dono da Construtoral Financial, do empresário Antônio Fernando de Araújo Garcia, preso durante a operação Uragano. Segundo Torraca, a Anfer ganhou a licitação de 60% das obras de saneamento da prefeitura de Dourados. O contrato somente com essa empresa chegaria a cerca de R$ 18 milhões e iniciaria na ocasião as obras nos bairros Canaã III e Caimã.
Outras três empresas ganharam contratos para as obras de saneamento do município: Policon, LC Braga e a Planacon. O contrato com essas empresas foi divulgado no Diário Oficial de Dourados no dia 20 de abril de 2010. De acordo com o Ministério das Cidades, já foram liberados R$ 8.515.498,79 para execução de 25,4% das obras de saneamento deste município por meio do financiamento da Caixa Econômica Federal. Elas tiveram início em junho de 2010 e a última medição da Caixa ocorreu no dia 17 de março deste ano.
Medo
Em outro trecho da conversa, Torraca alerta Passaia que Antonio Fernando de Araujo Garcia seria ruim de negócios, mas recomenda que ele vá a Campo Grande e converse pessoalmente com o empresário.
"Esse é o cara (Antônio Fernando) que pode conseguir, só que tem que ter uma conversa boa antes, entendeu? Eles são muito visados, tem que tomar muito cuidado. Na última campanha o pessoal da Polícia Federal apreendeu com a Financial um avião cheio de dinheiro, aí ninguém explicou, até hoje eles estão em regime de... Eles sabe que eles financiam as campanhas dos políticos. Então o Fernando morre de medo desse negócio, ele toma um cuidado, ele não quer nem saber, ele não gosta do Ari (Artuzi) também, você sabe disso. O Ari é muito louco. Ele tem medo do Ari queimar a empresa dele."
De acordo com diálogo, Torraca fala que se Passaia fizesse uma proposta de acordo com a Financial para adiantar R$ 700 mil dos R$ 900 mil da porcentagem do prefeito, eles poderiam fechar acordo porque também seria vantajoso para a construtora, por conta do desconto no valor final da propina.
A reportagem do Terra conversou com senador Delcídio do Amaral, que embora tenha divulgado a obra de saneamento de R$ 35 milhões em Dourados como um dos seus maiores feitos no Estado, negou as suspeitas de irregularidades e afirmou que não conhece nenhuma investigação da Operação Uragano que cite seu nome. "Eu desconheço esse processo. Se você tiver, me passa", respondeu o senador.
O ex-secretário de Obras de Dourados Jorge Hamilton Torrada afirmou não ter conhecimento das gravações. "Não estou sabendo, nunca ouvi isso", afirmou Torraca.
Por meio da assessoria de imprensa do Ministério das Cidades, o secretário nacional de Saneamento, Leodegar Tiscoski, afirmou que sua pasta não efetua nenhuma liberação de recursos para os municípios, que essa função é exclusiva da Caixa Econômica Federal. Ele afirmou que o encontro que teve com Artuzi e Torraca era de praxe, como acontece com todos os representantes de outros municípios.
O deputado federal Geraldo Resende (PMDB), citado no áudio, negou qualquer envolvimento em recebimentos de propinas de obras executadas no município de Dourados.
Os representantes das empresas Anfer, LC Braga e a Planacon não retornaram as ligações. O representante da Policon afirmou que não teria nada para comentar sobre o caso.
Fonte: Terra
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