Esses são apenas dois dos personagens com os quais alguns parlamentares se assemelham. Tem ainda Papai Smurf, playmobil, Gargamel e Hermione. Congressistas riem da comparação e querem superpoderes da ficção
Uns dizem que política é assunto chato. Outros gostam tanto que viram políticos profissionais. Há aqueles que nela se especializam. E há ainda os que, desinteressados e alheios às suas vicissitudes, deixam de acompanhar minimamente o teatro político – e, consequentemente, acabam por desperdiçar seus votos. Mas uma coisa é certa, ao menos para quem lida com o ofício: está aí uma atividade repleta de personagens. Com direito à transposição do real para a ficção, seja por meio das telas do cinema, das tiras de HQs ou das animações de TV.
Deixando um pouco de lado o sempre pesado noticiário político e aproveitando os ares da Páscoa, de Tiradentes e dos aniversários de Brasília e da rainha Elizabeth (esta, uma personagem quase medieval), comecemos por esta: diariamente atentos aos plenários do Senado e da Câmara, jornalistas têm visto cada vez mais semelhanças entre congressistas e figuras da ficção. Se há quem diga que o filósofo Sócrates representava um personagem em suas explanações nas ágoras gregas, iniciando o conceito de pólis, que se projetem tais avatares nos tribunos da atualidade.
Até porque alguns deles, no calor das circunstâncias, acabam quebrando o protocolo e incorporando “super-poderes”. Como o “super-homem” Eduardo Suplicy (PT-SP), às voltas com o árduo dever de mostrar sua ética em um Senado alquebrado por escândalos que culminavam com o caso dos atos secretos, em 2009. Relembre e veja na foto o riso zombeteiro da personagem nipônica Sabrina Sato – a responsável pela proeza de vestir um senador com uma sunga vermelha, por cima da calça, em pleno Senado (Rui Barbosa teria ficado rubro de vergonha...)
A modelo e apresentadora do humorístico Pânico na TV, aliás, já havia iniciado o exercício imaginativo naquele ano. E viu traços não físicos de super-herói no senador petista.
Espírito esportivo
Os próprios parlamentares entraram na brincadeira, dizendo quem parece com quem – um deles cochichou à reportagem que o deputado Ivan Valente (Psol-SP) é “a cara” do Papai Smurf. Como é Páscoa, eis aqui uma homenagem ao aguerrido Ivan. Os saudosos da turminha azul poderão ver semelhanças – físicas, sublinhe-se, apontadas por um jornalista que já o entrevistou diversas vezes – entre o “inimigo” Gargamel e o ex-deputado federal José Carlos Aleluia (BA), atual presidente do DEM baiano. Ambos carecas, altos e magros.
Na tribuna do plenário, um comentário entre jornalistas decretou a semelhança do senador com o bruxinho Harry Potter (interpretado por Daniel Radcliffe) – na pele de quem, aliás, ele já foi protagonista único de matéria na versão on-line do
Correio Braziliense. Veja o vídeo abaixo, caro leitor, esqueça as vozes de ambos e assista ao senador em combate contra o vilão da dengue e do tifo.
Dá para fazer mágica no Senado, Randolfe? “A gente tem procurado. Acho que minha tarefa é maior que a de Harry, que tem menos obstáculos do que eu”, disse aos risos o senador, na última quarta-feira (20), quando a véspera do feriado dava ares de mundo espiritual ao Senado. “Harry só tem de se deparar – como o meu filho Gabriel me ensinou – com o Voldemort [“Lord Voldemort”, líder dos “comensais da morte” e arqui-rival de Potter]. Minha saga é maior. Nós temos vários ‘voldemorts’. Todos aqueles que fazem da política um espaço para fins privados são ‘voldemort’ na história.”
Ao ser questionado sobre quem seriam os “políticos do mal”, Randolfe mudou a expressão facial. Com semblante subitamente sério, como que a desvendar bruxarias, passou a imaginar os adversários no mundo real. “A política deveria ser um espaço leve, do deboche. O agente público tem de estar disposto para isso. Tem de ser um espaço de alegria. É característico do Brasil dar às pautas mais pesadas bastante leveza”, observou, acrescentando que gostou da abordagem bem-humorada da imprensa a respeito da semelhança.
O senador lembra que, logo depois de publicada a matéria do veículo brasiliense, em fevereiro, e da consequente repercussão na
web, uma blogueira amapaense iniciou uma enquete para eleger o “Voldemort” da política brasileira . “Vários personagens foram citados, mas eu não quero personalizar um Voldemort. Considero que sejam todos os que fazem política pela privatização do espaço público.”
De Hogwarts para o Senado
Mas Harry Potter, ou melhor, Randolfe não está sozinho – e aqui cabem aplausos para o destino irônico. É patente a semelhança entre a atriz Emma Watson, que vive a amiga de aventuras de Potter, Hermione Granger, e a senadora Ângela Portela (PT-RR). E, como se não bastasse a repetição da dobradinha direto da telona para o Parlamento brasileiro, ambas cortaram o cabelo recentemente.
Ver Randolfe e Ângela em ação no Senado tem sido uma experiência cinematográfica, em que pese a semelhança de costumes em ambas as instituições: na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde o roteiro da saga é predominantemente ambientado, os trajes formais são uma imposição.Em rápida conversa em seu gabinete, também na véspera do feriado, a senadora estranhou a comparação em um primeiro momento. Mas, depois das devidas ponderações, acabou por dizer que queria “fazer mágica” em prol de seus conterrâneos. “Eu quero ser associada a uma senadora que trabalha, e não ser reconhecida por beleza, por nenhuma característica que não seja importante para o trabalho de uma senadora”, sublinhou a parlamentar petista, que já estreou a parceria no combate às mazelas de sua região.
“Eu gostaria de ter a mágica para usar na Amazônia. Nós debatemos, em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, sobre a carência, a exclusão digital em que a Região Norte vive. A gente cobrou do ministro das Comunicações [Paulo Bernardo] a inclusão dos nossos estados no Plano Nacional de Banda Larga”, disse a senadora, explicando as restrições orçamentárias do plano e dizendo ser “gratificante” trabalhar com Randolfe. Ela diz ainda que, desde que seja em benefício da população, o “poder de imaginação” dos parlamentares é válido.
“Nós já fizemos uma parceria entre Harry Potter e Hermione, pela Amazônia. A senadora é de Roraima, estado muito parecido com o meu Amapá – transformado em estado na mesma época que o Amapá, em 1988, criado como território na mesma época, em 1943, tem uma história e desafios parecidos”, reforçou Randolfe, lembrando do requerimento para incluir Amapá e Roraima nos planos do governo federal referentes a banda larga. “Sem saber quem era a minha Hermione, eu já tenho tido atuação em comum com ela. Ainda bem que eu encontro parceiros de saga aqui. Ângela – e não só pela aparência – é alguém que pode ser incluído na luta do bem contra o mal.”
Direto dos anos 80
Alguns brinquedos de criança acabam ganhando vida. Ou quase isso: principalmente entre os meninos, quem não se lembra do “Comandos em ação”, bonequinhos com inspiração militar cujas articulações fazem inveja a qualquer contorcionista? Sem o sucesso de um
He-man, por exemplo, eles até viraram desenho animado, mas não vingaram – e, desconfia-se, não alavancaram as vendas. Já o ícone He-man foi no caminho inverso: primeiro exibido nas telinhas, vendeu que nem banana quando foi transformado em boneco e exposto nas lojinhas brazucas.
Mas alguns bonecos nasceram para ser só bonecos. Inanimados, e ponto. Sem hipótese de incursões televisivas. Essa turminha
low profile pode ser representada pelo didático Playmobil, bonequinho criado em 1974 pelo grupo alemão Geobra-Brandstätter e, no Brasil, fabricado pela extinta Trol. O brinquedinho exibia uma mobilidade/funcionalidade (como o nome sugere) até então pouco vistas entre seres de plástico. Mas, com a ressalva de que alemães e índios têm mobilidade e todas as outras características físicas extremamente díspares, um senador com raízes indígenas deu vida à obra.
“Eu ainda era garoto. A gente brincava muito, ainda no Colégio Visconde da Parnaíba, em Oeiras, no Piauí, quando iam passando as pessoas e a gente as comparava com animais. ‘ali parece uma gata, olhe’; ‘aquele outro ali parece uma galinha arrupiada [sic]’; ‘aquele ali é a cara de um jumento, o outro parece uma coruja’. Então eu fico imaginando a criatividade de vocês, para comparar-nos às coisas do mundo moderno”, divertiu-se Wellington Dias (PT-PI), enquanto sua assessora morria de rir com a “revelação” da reportagem.
Antes boneco do que comensal da morte, não é mesmo, senador? “É verdade. Pelo menos um boneco que tem uma coisa em comum comigo: ele tem cara de índio. E eu sou índio”, acrescentou Wellington, agora entre risos generalizados. Em sintonia com a proposta da pauta, o senador disse que o apelido “caiu bem”. “A gente não pode levar a vida muito a sério. A gente tem de rir, de criar momentos de prazer, alegria, porque isso faz muito bem.”
Câmara, o “sem coração”
A própria Câmara empresta o nome a um personagem da série
X-Men. Mutante, o Câmara exibe ferimentos provocados quando o seu poder começou a se manifestar. Ser sem coração (o órgão vital, antes que confundam), o personagem se comunica por telepatia e não tem qualquer necessidade de comer, beber ou respirar.
Entre os 513 deputados, um verdadeiro elenco de produções da Marvel ou da Metro Golden Mayer se reúne de tempos em tempos no plenário. Ou mesmo representantes da arte armorial brasileira. Além dos já citados Gargamel (Aleluia), agora ex-deputado, e Papai Smurf (Ivan Valente), há quem veja o “boneco de Olinda” perambulando pelo Salão Verde – no caso, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Ou a cândida Smurfet (para citar mais um entre os duendes azuis), encarnada na delicada deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). E ainda o deputado João Campos (PSDB-GO), como alguém recém-saído de um episódio de
Os Simpsons. Alguém que conhece bem os deputados garante: um deles é “idêntico” ao Dick Vigarista, personagem trapaceiro da
Corrida Maluca. Por motivos óbvios, o nome do parlamentar vai ficar sob sigilo, como convite à descoberta.
Naquela Casa legislativa, no entanto, os personagens que mais têm aparecido (aliás, desaparecido) são aqueles com poder de sumir – casos de Noturno e Ninfa (ou Kitty Pride, ambos da trupe
X-Men), que têm o poder da desmaterialização. Na “semana de um dia” da Páscoa, quando foi realizada apenas uma sessão plenária, na terça-feira (19), foi o que mais se viu. Ou melhor, o que não se viu.
Em tempo: alguns ex-senadores da legislatura passada fazem falta no quesito caricaturas de si mesmos. Os expoentes personalíssimos da compleição física, digamos,
sui generis: Mão Santa (PSC-PI), Heráclito Fortes (DEM-PI), Marco Maciel (DEM-PE) e Wellington Salgado (PMDB-MG). Quatro figuras que, com traços (e estaturas, e vozes, e trejeitos) peculiares, insistiam em desafiar a imaginação de jornalistas. E instigar a habilidade de cartunistas. Folclore é pouco.